Á mais de um século o primeiro de maio é a data mais marcante para os
socialistas em todo o mundo. O dia do trabalhador – ou melhor em inglês
International Labour Day - foi instaurado pela Internacional Socialista em
1904, para assinalar a luta internacional pelos direitos do trabalhador. Os
trabalhadores de todo o mundo eram chamados a manifestar-se pela jornada de
trabalho de 8 horas. A luta pela redução da jornada de trabalho, foi sempre uma
bandeira importante to movimento. Não só é uma reivindicação importante para
combater o desemprego, mas também assinala que os direitos do trabalho são os
direitos á vida: a ideia era 8 horas de trabalho, 8 de sono e 8 de tempo livre
para socializar, relaxar, estudar, arte, etc…
Passados 116 anos de aumentos de produtividade, ainda muitos não
chegaram a esse patamar e estamos a regredir. É importante sempre repetir que o
1º de maio não é só um dia livre onde celebramos as conquistas sociais do
passado, é principalmente um dia de luta, manifestação e unidade
anticapitalista. Este primeiro de Maio será diferente. A pandemia da covid19
parou as sociedades, manifestações estão condicionadas pelas precauções de
saúde. O convívio tradicional está proibido. A maioria de nós terá de passar o
dia do trabalhador em casa. Motivo para algumas considerações sobre a defesa
dos direitos do trabalho e a resistência anticapitalista no contexto da
pandemia.
Pandemias e doenças infeciosas são eventos quase inevitáveis e
recorrentes na história da humanidade, mas os sistemas socioeconómicos têm
efeitos determinantes no desenvolvimento e nas consequências sociais dessas
pandemias. O capitalismo global produziu e galvanizou o impacto do vírus.
Distingo aqui 4 razões: 1. A globalização capitalista comprimiu o tempo e o
espaço de tal forma que dinheiro e bens, mas também passageiros e vírus, dão a
volta ao mundo de forma muito mais rápida que em qualquer outra época da
história do planeta: todas as barreiras sociais e naturais - das fronteiras aos
oceanos – deixaram de existir. 2. A indústria capitalista de carnes – que
produz alimentos baratos para trabalhadores baratos – é comummente ligada ao
surto de pandemias: Os espaços fechados e não-saudáveis onde se concentram
milhares de animais são incubadoras potentes para vírus que usam essa cadeia de
transmissão para saltar do mundo animal para o humano. 3. Os cortes neoliberais
na saúde reduziram drasticamente a infraestrutura e o pessoal disponível para
combater possíveis pandemias. Uma das necessidades básicas para combater
pandemias é a capacidade, em termos de leitos hospitalares, e estoques
estratégicos de material higiênico básico, como máscaras, desinfetantes e
reagentes para testes - todos que foram drasticamente reduzidos nos últimos
vinte anos, apesar do enorme crescimento da população mundial e da riqueza
financeira. 4. A privatização da pesquisa e desenvolvimento farmacêutico
direciona investimentos para a invenção de novas substâncias químicas que
tratam doenças que são financeiramente interessantes e evitam a pesquisa de
possíveis efeitos curativos de produtos químicos sem direitos de propriedade
intelectual para doenças direcionadas aos mais pobres e vulneráveis do mundo.
Outra consequência foi a quase-monopolização de reagentes para testes de
covid19 pela multinacional farmacêutica suíça Roche.
A crise pandémica demonstrou-nos mais uma vez as debilidades do
capitalismo, e das verdades neoliberais que nos foram ensinadas nos últimos 30
anos. A crise mostrou a impossibilidade de o mercado dar respostas; fora de
Bolsonaro, poucos libertários lunáticos hoje defendem a não-ação do estado
perante esta crise. Os serviços públicos de saúde reconquistaram o seu destaque
para o bem comum, enquanto que os privados foram desmascarados por aquilo que
são, especuladores que não se importam com a saúde. Vai ser difícil legitimar
privatizações neste sector nos próximos anos, e o pessoal médico terá apoio
social para exigir melhores condições nos próximos anos.
O combate á doença exigiu a paralisação quase completa da economia
capitalista. A quarentena funcionou praticamente como uma greve social – muitas
vezes imposta pelo estado – que afetou todos os sectores da sociedade. Esta
paralisação e o subsequente colapso económico relembrou-nos do facto que a
riqueza é fundamentalmente produzida pelos trabalhadores. O capital investido,
o “empreenderismo criativo”, os gestores, a publicidade; tudo é completamente
inútil sem a exploração do trabalho. A pandemia mostrou-nos também quem executa
as tarefas essenciais na sociedade: são aqueles que não podem parar e tiveram
de correr um risco de vida desconhecido para o bem comum: são eles os
produtores de alimentos, as trabalhadoras no supermercado, são os trabalhadores
na limpeza, o pessoal da logística e transportes e o pessoal médico. Muitas
vezes esses trabalhadores essenciais são as pessoas que sofrem a maior
exploração, que têm a maior precariedade e os piores salários. Muitas vezes
também são os trabalhadores que sofrem as maiores opressões, a mulheres e
trabalhadores racializados que sofrem além da exploração de sexismo e racismo.
São esses trabalhadores e trabalhadoras essenciais que merecem destaque
neste primeiro de maio. A sua integração e luta é um dos maiores desafios
contemporâneos do movimento dos trabalhadores; são dos sectores com menos
tradição de sindicalização devido á sua grande precariedade. As velhas
organizações sindicais tiveram – pelo menos até agora – grandes dificuldades
para entrar nestes sectores. Mas são estes também os sectores estratégicos numa
economia capitalista cada vez mais focada em serviços e produção just-in-time,
e como tal estes sectores tem um poder potencial muito grande. Alguns sectores
já descobriram esse poder; lembremos o impacto das lutas poderosas dos
estivadores, camionistas de petróleo e enfermeiros em Portugal no ano passado.
Será um processo pedagógico com muitas contradições e erros – devido á falta de
tradições e organização – mas essencial para todos.
O reconhecimento das falhas do mercado livre, não nos trouxe
necessariamente políticas para o bem comum; também ressuscitou o “socialismo
dos ricos”, que está principalmente preocupado em encontrar um mega-ventilador
para o sector financeiro e as grandes empresas. Alem disso, entre os vencedores
dessa crise estarão os piores sectores da economia capitalista: as economias de
plataforma - como Amazon, Uber e Glovo - as grandes superfícies e as grandes
indústrias de alimentos. A crise e as quarentenas impostas fortaleceram suas
posições, em vez de serem interrompidas, sua acumulação de capital disparou enquanto
que suas alternativas em pequena escala, o pequeno comércio local dependente da
interação direta com os clientes e o acesso limitado a novas tecnologias
digitais sofrerá uma destruição do seu capital e terão enormes dificuldades
para sobreviver. Se a ordem mundial capitalista não for contestada, muitas de
suas tendências contemporâneas se fortalecerão ao longo desta crise. A única
alternativa é a luta organizada! Saudações de um dia de trabalhador combativo!
Este texto foi escrito a convite do Jornal Mundus.
Este texto foi escrito a convite do Jornal Mundus.
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