Thursday, September 26, 2013

Bem vindo ao deserto da subcultura académica



Começou o novo ano académico, começaram os gritos pela cidade de coimbrã. Vestido de capa preta os senhores doutores e as senhoras doutoras desfilam pela cidade com os seus novos rebanhos de caloiros. Este período é um novo começo para os novos estudantes, um período de transição na sua via, um ano que servira como integração no universidade de Coimbra, um período cheio de rituais e tradições chamada praxe.

A praxe consiste num conjunto de práticas que visam integrar os novos estudantes na vida de estudante. Esta integração é uma parte vital para grande parte dos estudantes recém-chegados, já que a sua inserção nas associações estudantis é a maneira mais fácil – talvez a única – de reconstituir os seu meio social neste novo ambiente. É a promessa de aceitação neste novo meio social, um meio social académico fechado e com um status superior - mas também um instrumento vital para a comunicação entre colegas de aula e uma infraestrutura social importante – que leva á “escolha” estudantil de participar nestas praticas.

Ao primeiro olhar esta praxe já parece bastante problemática. Os recém-chegados são submetidos a um montão de rituais e praticas humiliantes. A praxe é um instrumento não só de integração, mas principalmente um hierarchisaçao de poder dentro da associaçao. A quererem fazer parte do meio académico, os “caloiros” são submetidos ao poder dos “doutores” (qualquer estudante com mais de 1 ano em Coimbra), e esta submissão é socializada pela obrigação de rituais simbólicos.
Estes rituais simbólicos constituem em práticas homofóbicas, praticas sexistas/machistas, praticas sexualmente “transgressivas”, e praticas fisicamente e psicologicamente humiliantes. Exemplos são a obrigação de caloiros de ensenar actos sexuais com arvores ou outros objectos, encenar actos sexuais homossexuais com os seus pares, cantar cantigas auto-humiliantes, inferiorizantes e sexualizantes, fazer push-ups segundo as ordems dos doutores, serem sujeitos a vários tipos de castigos individuais en collectivos pelos mesmos, etc…

O exemplo das praticas sexistas são das mais obvias neste contexto. Grupos de caloiras são obrigados a cantar canções altamente sexualizadas e “vulgares” contradizem com as normas bastante conservadoras das estudantes no dia-a-dia. Este tipo de gritaria so funciona como instrumento de submissao porque a atitude cotidiana destas estudantes é totalmente contraria aos gritos.

É claro que todos esses rituais se praticam dentro do espaço publico, dentro da esfera publica académica, no seio da universidade, no meio das pessoas conhecidas e desconhecidas que passam. Esta pratica dentro da esfera publica tem a meu ver duas funções e mostra um terceiro facto. Primeiro mostra que estas praticas fazem parte da esfera publica académica; utilizam as normas dominantes e a sua simbologia da esfera publica (machista, conservadora e hierachica) para legitimar os poderes hierárquicos entre doutores e caloiros. O exemplo é a submissão e o constrangimento ao qual as jovens estudantes são confrontadas a ter que gritar que “as da bio-quimica são conhecidas para foder melhor”, ao mesmo tempo claramente serem excluídas dos doutores pelo facto da não utilização de capa.

Alem disso são submetidos a uma serie de regras aplicáveis aos caloiros, que evitem a sua própria integração por outros meios, como por exemplo  a proibição de sair á noite sem a licença dos doutores. praticada á seculos


Dentro deste contexto estas práticas de praxe parecem ser totalmente contraditórias aos valores da universidade. A universidade, propõe-se como uma instituição que defende a liberdade, inclusividade, o conhecimento, o pensamento critico e a autoemancipação dos seus academicos. A praxe pelo outro lado parece defender exatamente o oposto; sendo submissão, ignorância forçada, hierarchia, e humiliação. Como é possível que rituais de integração parecem exatamente contrários á própria instituição. A analyse Hegeliana – Que “o espirito é o osso” -   do Slavoj Zizek neste caso parece bastante aplicável.

Na sua obra “Parallax View”, no ultimo capitulo sob o titulo "bem vindo ao deserto da subcultura Americana", Zizek discute a questão das fotografias de Abu Graib no Iraque.  Estas foto’s de torturas fysicas e psichologicas por pelos soldados Americanos e Britanicos geraram grande animosidade quando encontraram seu caminho para os media. Tambem aqui aparecia uma contradição: Enquanto os estados unidos tinham ido para a guerra em nome da democracia, pela liberdade individual, contra a tortura e ditadura – as praticas no terreno, na materialidade do seu dia-a-dia mostravam exatamente o contrario; rituais de tortura e humilhação. 

A reação dos estados unidos foi que a conduta dos soldados Americanos eram “actos individuais criminosos e não refletiam os valores dos estados unidos” – e que o facto da sua condenação publica pelo presidente mostrava isso mesmo – já que numa ditadura estas praticas teriam sido silenciadas. Zizek contesta esta posição, diz que o fenómeno não tinha sido nada “individual” mas uma pratica bastante regular, silociosamente aceite e incentivada - bem que oficialmente não regulada, duma forma á margem da lei, como seu excesso complementar. (Boaventura Sousa santos utilizaria o termo da linha abissal nas praticas coloniais)

Porventura, Zizek defende que este tipo rituais são exatamente parte “dos valores americanos”, mas a sua parte subcultural, e que a integração hierárquica dentro do modo de vida americano passa por este tipo de submissão publica e psicológica. Ele vai buscar exatamente a ideia das praxes nas grandes universidade Americanas, os rituais de iniciação de associações como a Skull and Bones (do qua Bush fazia parte) para ilustrar este tipo de subcultura do ocidente liberal.

A mesma logica pode aplicar á praxe conimbricense. Será que a praxe não é “o osso” do espirito académico, a sua contradição dialetica, o seu excesso perverso? Será que a praxe não é produto do status simbólico da universidade de Coimbra na hierachia do poder. Será que a praxe não é a reflexão estudantil da atitude e o poder da coletiva dos professores e instituçoes e associações académicas nesta sociedade. Será que a praxe não é a consequência sob a superfície de uma universidade excludente, elitista e não democrática?

Uma coisa é certa, não parece existir razão nenhuma para ter orgulho destas tradições académicas - a não ser desde um ponto de vista para a própria auto-afirmaçao dentro desto tipo de hierarchia. E também a proibição ou regulamentação não vai ter grande efeito na logica por traz do fenómeno; como mostra o exemplo de Abu Graib.

1 comment:

  1. Parabéns pelo texto, está fantástico e não me lembro de que alguém tenha, alguma vez, escrito sobre esta questão:praxes e caloiros, submissão, humilhação, abuso de poder e constrangimento. E perverso. parabéns. ana castro

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