Já que a “fúria da energia verde” tem tanta vontade de abater árvores, porque não começar por eucaliptos e acácias? Seria solução para controlar espécies invasoras, reduzindo danos à biodiversidade.
https://www.publico.pt/2025/03/23/azul/opiniao/instalassemos-paineis-fotovoltaicos-eucaliptais-2126785
No último fim de
semana, li uma notícia revoltante: em Condeixa, Coimbra, 1.070 sobreiros serão abatidos para a construção de uma central
fotovoltaica. O projeto
da Anadia Green, avaliado em 18 milhões de euros, recebeu aprovação da Ministra
do Ambiente e do Secretário de Estado das Florestas – um dia antes da queda do
Governo. A empresa afirma que compensará o impacto ambiental com a plantação de
7.400 árvores a 170 km de distância, em Marvão, no distrito de Portalegre.
Essa lógica de
"compensação" não é nova. A mesma estratégia foi usada pela Metro Mondego quando derrubou metade das árvores centenárias em
Coimbra. Mas todos sabemos que árvores com décadas ou séculos de vida não podem
ser substituídas no curto ou médio prazo. Não se repõe um ecossistema
consolidado simplesmente plantando novas mudas, assim como não se substitui um
professor experiente por um recém-nascido. Os sobreiros que serão abatidos são
reservatórios de carbono e têm copas robustas que capturam grandes quantidades de CO₂. Além disso, proporcionam
sombra, sustentam a biodiversidade, enriquecem o solo e ajudam a reter água. A
ideia de que esse impacto pode ser compensado é um engodo. Esse tipo de
política apenas desvia a atenção da crise climática e dos danos ambientais
causados pelo modelo econômico vigente.
Nos últimos anos,
temos visto esse ciclo se repetir: sob o discurso da sustentabilidade, milhões
de árvores são derrubadas, biodiversidade é destruída e paisagens naturais são
substituídas por vastas áreas de aço, plástico e torres metálicas. O que antes
eram planícies e montanhas verdes tornam-se terrenos áridos e cinzentos. A
contradição entre discurso e realidade nunca foi tão evidente. O que a
literatura acadêmica chama de colonialismo verde ou imperialismo verde manifesta-se, na
prática, como a destruição do meio ambiente em nome de uma suposta
sustentabilidade.
Isso não
significa negar os impactos das energias fósseis ou a urgência da transição
energética. No entanto, o que vemos hoje não é uma verdadeira substituição de
fontes poluentes por renováveis, mas uma expanção energética: a produção de energia – fóssil E
renovável – continua a aumentar e, com ela, a destruição ambiental. Após três
décadas de políticas de transição, as emissões globais de gases de efeito
estufa não diminuíram significativamente.
Em Portugal, esse
modelo predatório se faz sentir nos últimos anos. As comunidades locais de Covas do Barroso sofrem há anos com a ameaça das minas de lítio,
que continuam a ser projetadas para a região. Os moradores veem até suas
propriedades invadidas pela investidora especulativa Savannah Resources. Outras
comunidades, como as de Montalegre e de Argemela, na Serra da Estrela, também
veem suas serras, campos e cursos fluviais ameaçados por projetos mineiros.
Esperamos que, em
Condeixa, assim como têm feito os barrosenses e as comunidades locais e
autarquias em Montalegre, a população se organize, pressione o governo local e
impeça que esse projeto seja implementado.
No entanto, é
urgente uma mudança política que altere a direção geral dos acontecimentos. O
meio ambiente português já está sob enorme pressão devido à seca e aos
incêndios florestais – intensificados pela monocultura mortífera de eucaliptos,
incentivada durante décadas pela indústria do papel. Apesar das tragédias mortíferas
de Pedrógão Grande e Vilarinho, em 2017, os verdadeiros responsáveis – a
indústria do papel e os responsáveis pela gestão do território – continuam
impunes. Atualmente, os eucaliptais já ocupam mais de um quarto do território
florestal português, sem sequer mencionar outras espécies invasoras, como as
acácias e as extensas manchas de pinheiros, plantadas durante as políticas
florestais do salazarismo, que ameaçam a biodiversidade, degradam os solos
e aumentam o risco de incêndios. Não podemos aceitar que a pequena área
remanescente de floresta nativa – composta por sobreiros, azinheiras,
carvalhos, castanheiros, choupos e salgueiros – seja destruída em nome das
energias renováveis ou de projetos de mobilidade verde.
Nesse sentido,
deixo uma sugestão: já que a "fúria da energia verde" tem tanta
vontade de abater árvores, porque não começar pelos eucaliptos e acácias?
Poderia ser proposta uma lei que obrigasse a implementação de projetos de
energias renováveis em áreas predominantemente ocupadas por eucaliptais –
preferencialmente em terrenos já ardidos. Seria uma solução para controlar e
reduzir essa espécie invasora, ajudando a minimizar os danos à biodiversidade.
Além disso, os
painéis solares seriam instalados em paisagens já degradadas e desertificadas
pelos eucaliptos, evitando a destruição de áreas ecologicamente valiosas. A
fragmentação das manchas contínuas de eucaliptos através da instalação de
centrais fotovoltaicas poderia também criar corredores ecológicos mais seguros.
Esse modelo permitiria investimentos no interior do país sem agravar ainda mais
a destruição ambiental e poderia até incentivar uma gestão florestal mais
responsável. Talvez a instalação de infraestruturas energéticas em territórios
vulneráveis a incêndios motivasse investimentos na prevenção e no combate aos
fogos, protegendo as populações que, ano após ano, sofrem com esta ameaça.
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