Wednesday, August 27, 2025

E se instalássemos os painéis fotovoltaicos nos eucaliptais?

Já que a “fúria da energia verde” tem tanta vontade de abater árvores, porque não começar por eucaliptos e acácias? Seria solução para controlar espécies invasoras, reduzindo danos à biodiversidade.


https://www.publico.pt/2025/03/23/azul/opiniao/instalassemos-paineis-fotovoltaicos-eucaliptais-2126785

No último fim de semana, li uma notícia revoltante: em Condeixa, Coimbra, 1.070 sobreiros serão abatidos para a construção de uma central fotovoltaica. O projeto da Anadia Green, avaliado em 18 milhões de euros, recebeu aprovação da Ministra do Ambiente e do Secretário de Estado das Florestas – um dia antes da queda do Governo. A empresa afirma que compensará o impacto ambiental com a plantação de 7.400 árvores a 170 km de distância, em Marvão, no distrito de Portalegre.

Essa lógica de "compensação" não é nova. A mesma estratégia foi usada pela Metro Mondego quando derrubou metade das árvores centenárias em Coimbra. Mas todos sabemos que árvores com décadas ou séculos de vida não podem ser substituídas no curto ou médio prazo. Não se repõe um ecossistema consolidado simplesmente plantando novas mudas, assim como não se substitui um professor experiente por um recém-nascido. Os sobreiros que serão abatidos são reservatórios de carbono e têm copas robustas que capturam grandes quantidades de CO₂. Além disso, proporcionam sombra, sustentam a biodiversidade, enriquecem o solo e ajudam a reter água. A ideia de que esse impacto pode ser compensado é um engodo. Esse tipo de política apenas desvia a atenção da crise climática e dos danos ambientais causados pelo modelo econômico vigente.

Nos últimos anos, temos visto esse ciclo se repetir: sob o discurso da sustentabilidade, milhões de árvores são derrubadas, biodiversidade é destruída e paisagens naturais são substituídas por vastas áreas de aço, plástico e torres metálicas. O que antes eram planícies e montanhas verdes tornam-se terrenos áridos e cinzentos. A contradição entre discurso e realidade nunca foi tão evidente. O que a literatura acadêmica chama de colonialismo verde ou imperialismo verde manifesta-se, na prática, como a destruição do meio ambiente em nome de uma suposta sustentabilidade.

Isso não significa negar os impactos das energias fósseis ou a urgência da transição energética. No entanto, o que vemos hoje não é uma verdadeira substituição de fontes poluentes por renováveis, mas uma expanção energética: a produção de energia – fóssil E renovável – continua a aumentar e, com ela, a destruição ambiental. Após três décadas de políticas de transição, as emissões globais de gases de efeito estufa não diminuíram significativamente.

Em Portugal, esse modelo predatório se faz sentir nos últimos anos. As comunidades locais de Covas do Barroso sofrem há anos com a ameaça das minas de lítio, que continuam a ser projetadas para a região. Os moradores veem até suas propriedades invadidas pela investidora especulativa Savannah Resources. Outras comunidades, como as de Montalegre e de Argemela, na Serra da Estrela, também veem suas serras, campos e cursos fluviais ameaçados por projetos mineiros.

Esperamos que, em Condeixa, assim como têm feito os barrosenses e as comunidades locais e autarquias em Montalegre, a população se organize, pressione o governo local e impeça que esse projeto seja implementado.

No entanto, é urgente uma mudança política que altere a direção geral dos acontecimentos. O meio ambiente português já está sob enorme pressão devido à seca e aos incêndios florestais – intensificados pela monocultura mortífera de eucaliptos, incentivada durante décadas pela indústria do papel. Apesar das tragédias mortíferas de Pedrógão Grande e Vilarinho, em 2017, os verdadeiros responsáveis – a indústria do papel e os responsáveis pela gestão do território – continuam impunes. Atualmente, os eucaliptais já ocupam mais de um quarto do território florestal português, sem sequer mencionar outras espécies invasoras, como as acácias e as extensas manchas de pinheiros, plantadas durante as políticas florestais do salazarismo, que ameaçam a biodiversidade, degradam os solos e aumentam o risco de incêndios. Não podemos aceitar que a pequena área remanescente de floresta nativa – composta por sobreiros, azinheiras, carvalhos, castanheiros, choupos e salgueiros – seja destruída em nome das energias renováveis ou de projetos de mobilidade verde.

Nesse sentido, deixo uma sugestão: já que a "fúria da energia verde" tem tanta vontade de abater árvores, porque não começar pelos eucaliptos e acácias? Poderia ser proposta uma lei que obrigasse a implementação de projetos de energias renováveis em áreas predominantemente ocupadas por eucaliptais – preferencialmente em terrenos já ardidos. Seria uma solução para controlar e reduzir essa espécie invasora, ajudando a minimizar os danos à biodiversidade.

Além disso, os painéis solares seriam instalados em paisagens já degradadas e desertificadas pelos eucaliptos, evitando a destruição de áreas ecologicamente valiosas. A fragmentação das manchas contínuas de eucaliptos através da instalação de centrais fotovoltaicas poderia também criar corredores ecológicos mais seguros. Esse modelo permitiria investimentos no interior do país sem agravar ainda mais a destruição ambiental e poderia até incentivar uma gestão florestal mais responsável. Talvez a instalação de infraestruturas energéticas em territórios vulneráveis a incêndios motivasse investimentos na prevenção e no combate aos fogos, protegendo as populações que, ano após ano, sofrem com esta ameaça.

 


Bombeiros: Heróis ou Escravos?

"O trabalho voluntário de milhares de bombeiros representa uma gigantesca transferência de valor da sociedade para os plantadores de eucaliptos e a indústria da celulose."

Texto original:

https://www.publico.pt/2025/08/27/opiniao/opiniao/bombeiros-herois-escravos-2145117

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Todos os verões, os bombeiros voluntários são – e com razão – celebrados como heróis nacionais. São milhares de jovens e menos jovens dispostos a dar tudo, inclusive a própria vida, para defender comunidades inteiras contra os infernos de chamas que se tornaram a nossa realidade recorrente nos últimos anos. 

Nas zonas rurais, onde a floresta domina, os bombeiros sempre tiveram um papel central na vida local. Representam uma instituição de solidariedade, camaradagem e socialização da juventude. O bar do quartel é, em muitas vilas, o ponto de encontro social mais importante. Muitos jovens aderem aos bombeiros quase como se fosse uma versão comunitária dos escuteiros.

Mas esta imagem idílica não deve ocultar uma realidade bem mais preocupante: o trabalho voluntário de milhares de bombeiros representa, na prática, uma gigantesca transferência de valor da sociedade para os grandes beneficiários do modelo florestal português – os plantadores de eucaliptos e a indústria da celulose.

É claro que múltiplos fatores explicam a catástrofe dos incêndios: a negligência histórica do interior, o despovoamento, a falta de ordenamento e as alterações climáticas. Contudo, não se pode desligar a frequência e ferocidade dos fogos da expansão das monoculturas florestais destinadas à produção de biomassa e papel. Hoje, mais de um terço do território nacional está ocupado por floresta – uma área quase quatro vezes superior à do início do século XIX. Se fossem florestas diversas, com carvalhos e outras espécies autóctones resistentes ao fogo, o problema seria muito menor. Mas, em vez disso, temos imensos “desertos verdes” de pinheiro e eucalipto – ecossistemas pobres em biodiversidade, que secam o solo e alimentam a propagação das chamas.

Embora grande parte da terra não pertença diretamente às celuloses, é inegável que a vasta mancha de eucaliptais resulta da lógica produtiva do setor. Este funciona como um oligopsónio, em que poucos compradores controlam por completo o mercado e asseguram a acumulação dos lucros. Foram ainda estas empresas que, através de intenso lobbying, incentivaram a plantação de eucalipto entre pequenos e médios proprietários, bem como junto das autoridades políticas locais e nacionais – com destaque para a figura de Cavaco Silva.

Se somarmos todos os custos deste modelo – em perdas económicas, danos ecológicos, problemas de saúde, gastos no combate aos fogos e custos da replantação – fica evidente que esta economia do chamado “petróleo verde” não é viável nem sustentável. Ainda assim, empresas como a Navigator e a Altri apresentaram em 2024 cerca de 400 milhões de euros de lucro aos seus acionistas. A fórmula é antiga: privatizam-se os lucros, socializam-se os custos. Os custos aparecem sob a forma de fogos recorrentes, desertificação, seca e destruição do território.

Entretanto, a indústria e os políticos têm-se comportado como a indústria do tabaco no século XX: negando a realidade, manipulando narrativas e travando qualquer regulação séria. No meio desta desresponsabilização, quem tem assumido, de forma quase gratuita, o peso de controlar as “externalidades” deste modelo são os bombeiros – sobretudo os voluntários que, no interior, arriscam tudo para proteger o que o capital devasta.

Perante o atual cenário, é urgente reconhecer os Bombeiros como a força de trabalho de-facto das empresas de celulose em Portugal. Trata-se de uma mão de obra altamente qualificada – ou que deveria sê-lo – exposta a riscos extremos, mas que continua sem salário digno, sem garantias sociais adequadas e com escassos direitos sindicais e coletivos. Recebendo muitas vezes abaixo do salário mínimo, esta realidade configura uma forma clara de superexploração.

Esta prática repete-se em toda a relação do capitalismo com o Meio Ambiente: a natureza – e, com ela, todos os que dela cuidam, por vocação ou por necessidade – é considerada um recurso gratuito, desprovido de valor, embora seja indispensável. É o que se conhece como “trabalho reprodutivo”: aquele cujo valor o capital captura sem remuneração, apesar de ser essencial para a manutenção das condições de vida e de produção. O conceito, popularizado pelas abordagens feministas, como no trabalho de Maria Mies, aplica-se sobretudo ao trabalho não pago das tarefas domésticas e de cuidado, bem como ao labor invisível de imigrantes e de trabalhadores em condições análogas à escravidão. Raramente, porém, é aplicado a atividades vistas como “masculinas”, como a heroica missão de combater incêndios e cuidar da floresta. A reivindicação, no entanto, deve ser a mesma; reconhecer o devido valor da atividade económica.

Os quartéis, nesse sentido, são verdadeiras unidades de produção – as autênticas fábricas do papel – onde centenas de trabalhadores e trabalhadoras cumprem turnos exaustivos, inclusive noturnos. Encarar a realidade dessa forma não apenas reforça a legitimidade da organização coletiva e sindical dos bombeiros, como também fortalece a sua luta por salários dignos. Tais salários, aliás, deveriam ser financiados diretamente pelos lucros milionários da indústria da celulose e dos eucaliptais, e não pelos contribuintes através do Estado.

Além disso, reconhecer os bombeiros como trabalhadores centrais neste modelo produtivo coloca-os como aliados estratégicos da causa ecológica, na defesa de florestas diversas e resilientes. Um ambiente laboral mais seguro e a redução da carga de incêndios resultante seriam, assim, conquistas não apenas laborais, mas também ambientais e sociais.